Pneumotorax


Pneumotórax, ou a presença de ar no espaço pleural, é classificado como espontâneo (primário ou secundário) ou traumático. O pnemotórax primário ocorre na ausência de causa subjacente, ao passo que o secundário ocorre como complicação de uma doença pulmonar pré existente. O pneumotórax traumático resulta de trauma penetrante ou não penetrante e é freqüentemente iatrogênico.

O pneumotórax secundário ocorre como complicação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma, fibrose cística, tuberculose e certas pneumopatias intersticiais. O Pneumotórax em associação com a menstruação (pneumotórax catamenial) é outra causa bem estabelecida de pneumotórax secundário. Uma vez que invariavelmente existe uma doença subjacente, o pneumotórax secundário é geralmente mais grave que o pneumotórax espontâneo primário.

A incidência de pneumotórax primário é de cerca de 10 por 100.000 por ano. A doença atinge principalmente homens altos e magros entre 20 e 40 anos de idade. O pneumotórax primário é atribuído a ruptura de "blebs" ou vesículas apicais subpleurais como consequência a picos de pressão negativa intrapleural. Fatores familiares e o hábito de fumar cigarros também são fatores importantes.

Considerações Históricas

O pneumotórax foi a primeira doença reconhecida no espaço pleural, apesar de que em seus aforismas Hipócrates refere-se à abertura do tórax para a drenagem de empiema pleural. Em 1623, Ambroise Paré descreveu a presença de enfisema subcutâneo secundário à fratura de costela, sem mencionar contudo a presença de pneumotórax associado. Em 1724, no seu relato de rotura espontânea de esôfago, Boerhaave descreveu a presença de grande quantidade de ar na cavidade pleural com colapso dos pulmões e foi o primeiro autor a relatar a ocorrência de pneumotórax na ausência de um trauma torácico externo. Em 1803 Etard, pela primeira vez, usou o termo pneumotórax para descrever uma nova entidade nosológica e em 1826 Laennec descreveu características clínicas. Por muitos anos o pneumotórax foi considerado como complicação de tuberculose. Em 1832 Kjaergaard foi o primeiro a enfatizar a etiologia não tuberculosa na maioria dos pacientes.

Fisiopatologia

O pneumotórax pode ser espontâneo ou traumático, causado por trauma aberto, fechado e mais freqüentemente iatrogênico. O pneumotórax espontâneo pode ser primário e ocorrer sem etiologia conhecida ou evidência clínica conhecida de outra doença subjacente ou então secundário a uma série de doenças que predispõe a formação de um pneumotórax. Esta lista de doenças que provocam pneumotórax estão citadas na tabela I. Independentemente da causa, contudo, as conseqüências fisiopatológicas são semelhantes.

Durante a respiração normal a pressão intrapleural varia entre -8 a -9 mmHg (menos oito e menos nove milímetros de mercúrio) durante a inspiração e de -3 a -6 mmHg (menos três a menos seis milímetros de mercúrio) durante a expiração. Devido a elasticidade intrínseca do pulmão a pressão intrabronquica dos pulmões é maior do que a pressão intrapleural durante todo o ciclo respiratório e varia entre -1 e -3 mmHg (menos um e menos três milímetros de mercúrio) durante a inspiração e +1 a +5 mmHg (mais um a mais cinco milímetros de mercúrio) durante a expiração. O gradiente de pressão entre as pressões intrabrônquicas e intrapleurais separadas pela paredes alveolares e pela pleura visceral mantém a pleura visceral dos pulmões aposta contra a pleura parietal na parede torácica, durante todo o ciclo respiratório.

O pneumotórax ocorre quando o ar entra o espaço pleural como resultado de uma ruptura em uma das superfícies pleurais. Esta ruptura pode envolver a pleura visceral, por ruptura de um "bleb" pulmonar, por ruptura da pleura parietal causada por um trauma ou ainda por descontinuidade da pleura mediastinal por ruptura de via aéreas ou do esôfago. A perda da pressão intrapleural negativa e colapso do pulmão progride até que o local da ruptura original fecha-se ou então até que as pressões entre os espaços que se comunicam tornam-se iguais. Pode ocorrer a formação de um mecanismo de válvula no local da ruptura pleural, que permite a passagem de ar para a pleura porém não permite que o ar retorne à via aérea. Esse processo é progressivo, com respiração mais profunda e mais laboriosa que por sua vez produz uma maior pressão negativa intrapleural e maior acumulo de ar dentro da cavidade pleural, que dele não pode sair. Constitui-se assim pressão positiva no cavidade pleural, característica do pneumotórax hipertensivo. Esta pressão intrapleural em níveis de 15 a 20 centímetros de água pode desviar o mediastino e interferir mecanicamente com o retorno venoso ao coração e produzir uma acentuada queda do débito cardíaco.

O pneumotórax reduz os volumes pulmonares, a complacência pulmonar e a capacidade de difusão. As conseqüências fisiológicas dependem do tamanho do pneumotórax, da presença ou não de tensão ou pneumotórax hipertensivo e da condição do pulmão subjacente. A hipoxemia arterial geralmente ocorre com o colapso de 50% ou mais e é secundária à contínua perfusão de áreas não ventiladas ou seja, o chamado efeito "shunt". Se o pulmão contra-lateral é normal, a hipoxemia é geralmente transitória e desaparece à medida que a perfusão no pulmão colapsado diminui. Por outro lado, pacientes cuja capacidade vital está diminuída pela doença pulmonar subjacente têm menores condições de compensar a perda de pulmão funcionante e podem até falecer de pneumotórax não tratado. Também pacientes com doença pulmonar como o enfisema, com acentuada perda da elasticidade do pulmão tem um menor gradiente de pressão entre o espaço alveolar e o espaço pleural. Sob tais condições o colapso pode ser menos intenso e ocorrer mais lentamente; apesar disso, mesmo estas pequenas reduções da capacidade vital, pode aumentar o trabalho respiratório e desencadear a insuficiência respiratória.

Quadro Clínico e Diagnóstico Radiológico

A historia clínica e exame físico em pacientes com pneumotórax depende da causa subjacente, da quantidade de pulmão colapsado e da presença ou ausência de uma doença pulmonar pré existente. Em alguns pacientes o pneumotórax pode ser assintomático. Cerca de 15% de pacientes com pneumotórax espontâneo podem não procurar socorro médico por mais de uma semana após o episódio. Da mesma forma pacientes com pneumotórax que ocorrem por exemplo após uma punção venosa central ou uma biopsia pulmonar percutânea são freqüentemente assintomáticos e o pneumotórax é diagnosticado num exame radiológico de controle. Ao contrário, em 80% dos pacientes com pneumotórax espontâneo existem sintomas que aparecem em repouso ou em atividades habituais. A dor é o sintoma mais freqüente e pode ser o único sintoma no pneumotórax pequeno. A dor é inicialmente intensa e de tipo pleural mas com o tempo torna-se mais persistente. A dispnéia é outro sintoma muito frequente e pode ser importante dependendo do grau de colapso pulmonar e da presença de uma doença pulmonar subjacente. Por outro lado verificamos um quadro clínico grave e exuberante no pneumotórax hipertensivo com dispnéia severa, freqüentemente seguida por choque. Menos freqüentemente sintomas de pneumotórax são ortopnéia, tosse seca ou mesmo hemoptise.

Paciente com pneumotórax pequeno pode não ter alterações ao exame físico, já aqueles com pneumotórax maior podem ter hipomobilidade do hemitórax com a respiração, hiper ressonância ou timpanismo à percussão e ausência de frêmito toracovocal, sempre do lado afetado. O murmúrio vesicular pode estar diminuído ou ausente no lado afetado. A cianose pode estar presente principalmente quando existe doença pulmonar subjacente. Quando está associado enfisema do mediastino pode-se verificar um ruído de grossa crepitação, sincrônico com os batimentos cardíacos chamado sinal de Hamman, na ausculta cardíaca. Pacientes com pneumotórax hipertensivo apresentam-se cianóticos e com importante insuficiência respiratória. As veias jugulares estão distendidas e a palpação da traquéia na fúrcula confirma o seu desvio. Tanto a traquéia como a ponta do coração (ictus) estão desviados para o lado são. Se a pressão do lado comprometido não é imediatamente aliviada por aspiração da cavidade pleural ou pela inserção de um dreno pleural o paciente em choque rapidamente evolui para o óbito.

O pneumotórax pode geralmente ser visibilizado numa radiografia simples de tórax realizado em inspiração profunda. A característica radiológica do pneumotórax é o distanciamento da pleura visceral da pleura parietal pela presença de ar no espaço pleural. O ar na cavidade pleural aparece como área hiperlúcida com ausência da trama vaso-brônquica na periferia do hemitórax. A pleura visceral é geralmente visualizada como uma linha fina que se destaca pelo ar no espaço pleural de um lado e ar dentro do parenquima pulmonar do outro. Quando as manifestações clínicas sugerem fortemente um pneumotórax e não existem anormalidades ao exame radiológico feito da forma convencional, deve-se repetir o exame em expiração. Na expiração o tamanho do pneumotórax parece aumentar na radiografia porque o volume pulmonar fica diminuído durante a expiração máxima forçada. A expiração também diminui a densidade radiológica do pulmão, aumentando portanto o contraste entre o pulmão e o ar no espaço pleural.

A tentativa de estimar o tamanho do pneumotórax a partir de uma radiografia de tórax em duas posições é importante lembrar que o ar na superfície pleural está em volta do pulmão nas três dimensões, portanto um pneumotórax que pode ser visto apenas na periferia do pulmão pode ocupar ate 30 % do volume da cavidade pleural. Existem métodos de calcular o tamanho do pneumotórax utilizando medidas feitas no exame radiológico e plotando tais medidas num normograma - o tamanho do pneumotórax pode ser estimado como porcentagem do volume do hemitórax do lado afetado (Rhea, DeLuca & Greene, 1982). O tamanho do pneumotórax pode assim ser classificado como pequeno (com menos de 20%), moderado (de 20% a 40%) ou importante (com mais de 40%).

É importante mencionar que existem diversas situações clínicas que fazem com que o pneumotórax seja de difícil diagnostico. Exames radiológicos feitos em aparelhos portáteis, em pacientes deitados ou em estado muito grave podem não evidenciar o pneumotórax, pois o ar ao invés de ser visualizado no ápice ou em áreas laterais do pulmão, vai se acumular na porção antero medial do tórax em função da posição do paciente e pode passar despercebido. O pneumotórax também é difícil de se visibilizar em pacientes com enfisema bolhoso. A diferenciação de um pneumotórax e de uma bolha grande insuflada é um problema comum na prática clínica. O erro de considerar uma bolha insuflada como pneumotórax, pode levar a uma conduta inadequada, tal como a colocação de um dreno no interior da bolha. Para o diagnóstico diferencial a tomografia computadorizada demonstra os septos presentes nas bolhas preenchendo a área hiperlúcida e exclui o diagnostico de pneumotórax. Da mesma forma a tomografia computadorizada pode ser necessária para identificar um pneumotórax loculado em pacientes com múltiplas aderências pleurais secundárias à doença pleural, trauma ou operações anteriores. O nível hidro aéreo observado na radiografia de paciente com pneumotórax representa líquido pleural associado. O acúmulo de grandes quantidades de líquido pleural após horas de início do pneumotórax sugere a associação de hemotórax, geralmente secundário a sangramento de uma aderência pleural ou mais raramente da superfície pulmonar. Quando existe nível hidroaéreo importante e pneumomediastino junto do pneumotórax deve ser considerada a hipótese de ruptura espontânea do esôfago. O diagnóstico pode ser confirmado com uma radiografia com a ingestão de gastrografina, com o paciente posicionado em decúbito lateral. Quando o paciente está em posição ereta as lesões esofágicas podem passar despercebidas. Os achados radiológicos que podem acompanhar o pneumotórax incluir a visibilização dos "blebs", a doença intersticial pulmonar, aderências pleurais e nódulos parenquimatosos. Após a re-expansão do pulmão a tomografia computadorizada pode ainda definir doença pulmonar subjacente. Quando o pulmão não se re-expande após a inserção correta de dreno pleural, pode se indicar broncoscopia.

O quadro clínico produzido pelo pneumotórax espontâneo é geralmente tão característico que todas as outras condições podem ser excluídas pela história, exame físico e achados radiológicos. Excepcionalmente há necessidade de diferenciar o pneumotórax de insuficiência coronária, dissecção aórtica, ruptura espontânea de esôfago ou uma ulcera péptica perfurada.

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